
O governo vai reduzir a exigência de outorga para elevar a taxa interna de retorno do Trem de Alta Velocidade (TAV), de 6,32% para um percentual acima de 6,5%, que é o previsto no programa de concessões de ferrovias. Na prática, essa mudança na regra do leilão do TAV resultará num desconto de bilhões de reais no negócio e tem como objetivo atrair investidores. Passados cerca de seis meses desde o anúncio do Programa de Investimentos em Logística, o governo vem seguidamente assumindo mais riscos e oferecendo mais lucros para ter o setor privado como parceiro.
Os programas de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos tiveram mudanças significativas, inicialmente na forma de melhores condições de crédito e, mais recentemente, no sentido de reduzir o riscos do negócio. No caso do TAV, por exemplo, o governo resolveu deixar só para um segundo momento o leilão da infraestrutura, assegurando ao vencedor da concessão da operação dos trens que cobrirá qualquer risco da construção.
Inicialmente, o governo começou a ceder em condições de financiamento, com mais prazos, carência ou taxas menores. Chegou até a permitir o modelo de project finance, que coloca a própria obra como garantia, para oferecer crédito às concessões. No entanto, mesmo após esses incentivos, os potenciais investidores mostraram que, independentemente do retorno financeiro, não estavam dispostos a correr riscos. Daí o governo passou a ajustar também questões que afetam o orçamento do negócio em si e as margens de retorno.
Ao transferir riscos dos concessionários para o Estado, o governo acaba colocando na conta pública compromissos que poderiam ser delegados aos empreendedores. Para a procuradora regional da República Raquel Branquinho, que tenta suspender judicialmente a concessão do trem-bala, além de o governo ter mitigado ao máximo o risco para os investidores, o projeto tem falhas técnicas, estudos insuficientes, o que pode elevar muito o custo para a União.
— No modelo de privatização adotado pelo atual governo, o ônus fica com a sociedade — disse a procuradora.
Para o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Augusto Dal Pozzo, o governo não planejou adequadamente esses projetos. Por exemplo, não concluiu os estudos de viabilidade técnica e econômica, antes de anunciar as concessões. E por isso está sendo obrigado a rever seus modelos ao longo do processo.
— Essas idas e vindas são resultado da falta de planejamento, com prejuízos para o interesse público. Os estudos têm por objetivo identificar se aquele projeto que está sendo elaborado tem viabilidade financeira, diante dos riscos que serão assumidos pelo parceiro privado. São importantes para achar o equilíbrio, garantir atratividade e ao mesmo tempo evitar lucro excessivo, senão você vai prejudicar o usuário — disse.
No setor de ferrovias, quando apresentou o primeiro edital, o governo informou que aceitaria antecipar até 15% da receita que as empresas concessionárias terão com a construção das linhas antes mesmo de ficarem prontas, para assegurar que não faltará demanda.
Para as primeiras rodovias que iriam a leilão em janeiro (o que não aconteceu ainda ), a BR-040 e a BR-116, o governo refez as contas e previu um tráfego menor, o que, por consequência, dá mais folga aos competidores. No caso dos aeroportos, a Infraero se comprometeu a investir os valores de outorga e até a acompanhar os sócios privados em eventual aumento de capital para manter as instalações concedidas, o que não estava claro inicialmente nos processos de concessões de aeroportos.
Para José de Freitas Mascarenhas, presidente do conselho de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o governo pode ter montado os pacotes de concessões sem ter tido tempo de avaliar detalhes.
— Quando o governo passa a querer definir a remuneração dos projetos, daí começa a negociação e vem o problema do risco, que tem de ser revisto — disse Mascarenhas. — No TAV, por suas características e tamanho, isso vai à enésima potência.
Interação com investidores
O presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, disse que as mudanças nos programas de concessões resultaram da interação com os investidores, que necessariamente precisam ser ouvidos.
— O programa muda porque ele está sendo, de fato, feito. Quando você faz uma audiência pública, tem de estar disposto a ouvir, ou isso seria um mero ato burocrático. Nelas você ouve e reconhece quando tem de mudar e é isso que está acontecendo. Eu estou fazendo uma interação e ajustando aquilo que é próprio — disse Figueiredo.
Ele argumentou, ainda, que nenhuma grande obra no setor de infraestrutura no mundo foi feita sem uma grande participação do Estado.
— Melhorar os projetos não significa que mudou o compromisso do governo, que é atacar de frente os 30 anos de inércia do período em que não se investiu em transportes e que começamos a mudar com o PAC. Estamos atraindo a iniciativa privada, porque a gestão pública tem limites — disse Figueiredo.
Para Figueiredo, a União está assumindo mais riscos justamente para reduzir o preço final para os usuários, colaborando de fato para a maior competitividade da produção brasileira, com a redução do custo Brasil.
— Não adianta ter uma ferrovia nova, mas que, para passar por ali, o produtor pague o mesmo frete de hoje — disse o presidente da EPL.
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